A análise é algo interessante. Pra mim, pelo menos, é um dos melhores momentos da semana e, pior, eu não acho isso patético. Por um único espaço de tempo em dias, a pessoa senta lá e relata momentos da sua semana, dia ou até de seu passado mais longíquo. Fala sobre sua história com a mesma paixão que tem, a mesma necessidade eu diria, de contar para alguém sobre um filme intenso que acabou de ver ou que não lhe sai da cabeça. Por alguns breves minutos, o sujeito "analisado" tem a chance de ser o personagem principal da vida cotidiana. E sua rotina se torna diferente, única, especial.
Seja como for, como eu disse, é um dos melhores momentos da minha semana. Ontem, como usualmente, saindo do consultório do meu analista, sentei-me no ônibus e soltei um longo suspiro - do tipo positivo. Do tipo que fala "não está tudo perdido - você é meio desequilibrada pra sua idade, mas o caminho sempre pode dar certo". E, com esse suspiro, senti o cheiro do trânsito: asfalto quente e combustível de carros. Voltei pra realidade, finalmente, isso é tão raro. E pensei em tudo isso: rotina! Uma jovem adulta (argh, essa palavra ainda me assusta) trabalhando todo dia, no mesmo lugar, nas mesmas coisas... a cada domingo desejando pelo próximo fim de semana. Para onde foi meu entusiasmo diário, minhas aventuras, minha bobeira de sorrir o tempo todo sem motivo (sim, eu sei, isso é meio irritante), minhas caminhadas? Por onde anda o sol durante a semana e o mar que eu tanto amo ver? Por que eu não posso ter meia hora por dia pra respirar ar fresco e dar um mergulho?
E então, como propriamente em um drama muito emocionante, eu que estava sentada à janela começo a reparar nos pingos que entram e molham minha roupa. São poucos, mas fortes. E olho pro céu. No meio daquela confusão de carros, faróis e buzinas - meu inferno pessoal - vejo a água cair. Que felicidade! Estava aí, de volta, meu bem estar vindo do nada (ou melhor, caindo com a chuva).
Ultimamente comecei a aceitar a minha natureza. Nunca vou optar pelo que é melhor pra mim materialmente. Eu já acho isso bem estúpido, mas meu interior ainda acredita em conquistar sonhos, em ajudar a mudar o mundo. Minha alegria ainda vem de pessoas, de uma paisagem bonita, uma corrida, árvores, caminhada na areia, de um bom livro acompanhado de um bom café. Aquela chuva veio e lavou a cidade (ok, pelo menos Copacabana). O cheiro de asfalto quente se dissipou para aquele cheiro que eu adoro de grama molhada - não tinha grama, não sei até que ponto a imaginação influencia o momento. A chuva lavou minha alma. E eu fiquei apreciando, olhando pro céu feito uma tonta, deixando minha saia molhar. E pensei: "quando eu terei outra oportunidade assim?".
Se alguém está imaginando o que eu quis dizer com isso, pode apostar que foi a coisa mais estranha do mundo. Há tanto tempo eu não tomava um banho de chuva. Não podia deixar a chapinha desfazer ou correr o risco de ficar doente, molhada e ao vento, não é isso que todos dizem? Mas agora eu estava indo pra casa. O cabelo podia fazer o emaranhado que quisesse, a roupa poderia ser colocada pra secar em minutos. E então, eu, o personagem principal da aventura, desci deliberadamente direto para os pingos fortes, volumosos e cada vez mais intensos, com o guarda chuva na bolsa (sim, eu tinha um e menti sobre isso ao chegar encharcada em casa)!
Ninguém podia dizer que eu não estava delirando. Do inferno, fui ao paraíso. Não liguei para as pessoas apavoradas esperando a chuva passar, nem para todos olhando estranhamente o meu sorriso, enquanto eu andava calmamente, com água caindo nos meus olhos e pingando na minha roupa. Simplesmente caminhei. E, completamente encharcada, quando o vento bateu comecei a tremer. Gosto de pensar que eram tremores de felicidade, mas provavelmente eram de frio, mesmo. Eu odeio frio, ele nunca me fez tão bem. Sentir meu corpo tremer... sentir meu corpo. Me sentir em mim mesma, percebendo a água escorregar pela minha pele, inundar o meu sapato. Raros são os momentos que a pessoa consegue se sentir dos pés à cabeça... pelo menos comigo é assim. Andei, me molhei, sorri, cantei sozinha... fiz papel de estúpida, mas não reparei (podia estar tocando "I'm singing in the rain", muito apropriado). E cheguei no elevador.
Olhei minha imagem no espelho e, pela primeira vez em anos, me achei bonita. Completamente desarrumada, com a roupa molhada, a maquiagem desgastada, os cabelos embaraçados de uma forma que eu jamais permitiria. Mas... tão natural. Gostei do que vi e, de novo, sorri pra mim mesma.
Quando vou ter outra oportunidade assim? De tomar um banho de chuva! De me sentir, vivendo dentro de mim, aproveitando o que tem de melhor no mundo, me esquecendo - ou melhor, simplesmente não me importando - com os olhares (inclusive o meu). Não, aquela chuva de ontem não lavou minha alma. Lavou meu corpo! Despertou o melhor dos meus sorrisos, a minha mais íntima beleza e a mais profunda das minhas felicidades. A vida.
É... pelo jeito sou sim desequilibrada. Mas a alegria que a chuva de verão noturna em plena quinta feira trouxe foi uma que eu não sentia desde que deixei parte do meu coração do outro lado do mundo.